sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A Kombi do Heródoto

Entrevista que eu adoro. Já li umas 3 vezes e fala da paixão de um de meus ídolos, Heródoto Barbeiro, por Kombis.

Vale a pena ler:

Quando surgiu essa sua paixão pela Kombi?
Heródoto Barbeiro - Acho que eu tenho Kombi há uns 30 anos. Tive uma porção delas. Mas, há cerca de 35 anos, eu comprei um sítio na estrada Mogi-Bertioga (SP-98), em uma localidade chamada Taiaçupeba. Ele fica no alto de um morro e, na época, a estrada era de terra e você não sabia se conseguiria chegar até lá. Mas a Kombi sempre chegou. Ela passava bem no barro. Tem carro com tração dianteira que nem consegue subir. Hoje eu tenho uma Kombi mais nova, um modelo 2002, e eu vou muito com ela ao sítio todos os finais de semana. Para mim, ela também é um instrumento de trabalho. Apesar de estar ligada também ao lazer. Eu também gosto muito de fazer excursões a parques. E, com a Kombi, você carrega o equivalente a dois carros. Então você junta seis ou sete amigos e vai todo mundo batendo papo na perua ou jogando baralho, por exemplo. É mais agradável.

Você nunca pensou em ter um carro com tração nas quatro rodas?
HB - Não, pois o custo é muito alto. Outro dia, até experimentei um Nissan Pathfinder que é maravilhoso, extraordinário. Mas você tem que gastar muito dinheiro para obter o mesmo que você consegue com a Kombi.

Fale um pouco sobre a sua primeira Kombi.
HB - Ela era daquelas bem antigas, que tinha dois vidros na frente e um carburador só. Quando eu era moleque, fui auxiliar de mecânico. Meu pai tinha uma oficina, e eu aprendi a mexer em carros da Volkswagen e em coisas que nem existem mais hoje. Coisas que as máquinas antigas tinham. Condensador, platinado, por exemplo. Se quebrasse o cabo do acelerador, por exemplo, era só girar a borboleta e colocar um calço que o carro saía andando. Isso entre outras coisas. E eu sempre tive essa paixão pela Kombi porque ela nunca deixava a gente na mão, mesmo sendo um veículo “démodé” em relação a outros que temos hoje no mercado. Eu tive muitas Kombis velhas. Praticamente, a maioria delas era usada. Só recentemente as condições me permitiram comprar Kombis novas. Eu cheguei a ter uma muito usada e ela pegou fogo na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta, às 10 h da manhã. Imagina a confusão que foi. Todo mundo correndo com extintor de incêndio para tentar apagar o fogo. Isso faz uns 15 anos.
Tive outra que era modelo tipo exportação, pintada de azul. Nessa época, o serviço funerário de São Paulo também usava Kombis dessa mesma cor. Então, ela acabou ganhando o carinhoso apelido de “funerária” e se tornou motivo de muitas brincadeiras. Certa vez, quando ia para o aeroporto pegar um avião para o Rio, um garoto me perguntou aonde era o enterro. Quando olhei para trás, tinham colado uma cruz de papelão no vidro traseiro. Andei metade da cidade com aquela cruz colada na Kombi (risos). Eu gostava muito dela. Até mandei pintar a parte de baixo de creme. Ficou estilo saia-e-blusa, como dizem por aí. Mas, como a parte de cima era mais escura que a de baixo, ela foi apelidada depois de “Batman”. Aí o pessoal do escritório começou a me perguntar: “E aí? Veio de Batman hoje?” (risos)

E ela era o seu xodó ou tinha outra?
HB - Sim. Essa eu posso dizer que foi o meu xodó. Ela ficou muito tempo comigo e eu a comprei nova.

Você tem idéia de quantos quilômetros já rodou com suas Kombis?
HB - Nossa! Nem tenho idéia. A atual está com 60 mil quilômetros rodados. Mas sempre rodei mais de 100 mil (quilômetros) com cada uma. Acho que com todas já deu para ir à lua e voltar (risos).

E essa mesma relação que você tem com a Kombi, já sentiu por outro carro?
HB - Não (diz enfático). Não sou aficionado por carro. Apesar de já ter trabalhado com automóveis.

Você costuma dar apelidos para suas Kombis?
HB - Com exceção daquela que eu te falei (a funerária), não. A atual só tem um adesivo escrito “Só os loucos me acompanham”. Uma vez, queriam me dar um adesivo com a frase “Nóis breca, mas num capota”. Mas achei que esse “de louco” era melhor (risos). Aliás, já me deram uma porção de coisas para colocar na Kombi. Uma vez me deram aquela bolota para colocar na alavanca do câmbio, com um caranguejo dentro (gargalhada). Outro dia fizeram uma vaquinha e me presentearam com um conjunto de cortininhas.

Desde quando você dirige carros?
HB - Eu aprendi a dirigir em um Chevrolet 1934, uma caminhonetezinha que meu pai tinha na oficina. Para se ter uma idéia, o freio dela não era hidráulico. Era de varão. E, para engatar a primeira (marcha), era preciso parar o carro. Nessa época, em São Paulo, você tinha até a opção de cursar uma auto-escola, mas também poderia ir a algum lugar afastado e ficar dirigindo. Hoje já não dá mais. Fiz exame em um Fusca. Aí, para mim, foi moleza, pois quem andava naquele carro (o Chevrolet 1934), andava em qualquer outro. Depois eu tive um Fusquinha 1968, que foi o primeiro carro que eu pude comprar. Era usado. Depois eu tive um Fusca 1974, uma Variant e uma Brasília. Mas sempre paralelamente à Kombi.

E qual é o seu carro de trabalho atual?
HB - Um Fiat Palio.

O que você achou das mudanças que a Volkswagen fez na Kombi?
HB - Ela melhorou bastante. O motor e o acelerador ficaram muito bons. Só faltou uma direçãozinha hidráulica.

Conte alguma história curiosa sobre as Kombis.
HB - Já passei várias situações inusitadas. Quando meus dois filhos eram pequenos, eles sempre iam comigo no banco da frente, deitados. Mas eu não podia brecar, pois toda vez que eu fazia isso, o menor caía do banco. Ou eles iam dormindo atrás. Por isso, ela é ótima para crianças. A gente colocava um colchão atrás e a molecada ia dormindo.

Você já planejou fazer uma grande viagem com ela?
HB - Não. Nunca tive a oportunidade de ficar um mês de férias e ir para o Nordeste com a perua, por exemplo. Pois ela está ligada diretamente ao meu sítio.

E qual foi o lugar mais distante que você já foi com a Kombi?
HB - Fui a Caldas Novas, em Goiás. Daqui até lá deve ter uns 800 ou 900 quilômetros. Fui e voltei.

Você já imaginou que carro terá quando pararem de fabricar a Kombi, como aconteceu com o Fusca?
HB - Nunca pensei nisso e não sei que carro compraria. Acho que nenhum. Uma vez eu olhei uma Besta, da Kia. Achei confortável, mas ela é ideal para carregar pessoas. Na Kombi, você carrega pessoas e coisas. A minha, por exemplo, não tem o banco do meio. Vai tudo ali. Carrego ração, farelo, e, às vezes, o meu cachorro. Tenho oito no sítio. Se você pega um carro que tem carpete, vai sujar tudo. Na Kombi, eu uso aqueles tapetes de borracha. É só lavar e colocar de volta.

Você participa de algum clube de carros antigos?
HB - Não. Não tenho tempo.

Você é daqueles que tem ciúme do carro?
HB - Sim. Essa Kombi, por exemplo, eu não empresto para ninguém.

Quem você convidaria para dar uma volta na sua Kombi?
HB - Eu acho que as pessoas não gostam muito de serem chamadas para andar de Kombi.


Por quê?
HB - Porque acham que é um carro perigoso, muito instável... E por aí, vai. O grande medo das pessoas é que ela tombe, apesar de ser raro isso acontecer. Claro que ela não foi feita para correr. Mas há uma série de mitos sobre a Kombi. Por isso, as pessoas evitam andar nela. Só andam em algumas circunstâncias. Mas eu já vivi situações engraçadas. Certa vez, eu entrevistei o senador Eduardo Suplicy no programa Opinião Nacional, que eu fazia na TV Cultura, à noite. O programa terminou por volta das 10h da noite. Foi aí que o senador virou para mim e disse “Poxa. Essa hora já não tem mais táxi. Me dá uma carona até a minha casa?”. Aí eu falei que estava de Kombi e ele respondeu: “Ah! Tudo bem! Vamos de Kombi”. Ele subiu no carro e fomos até a casa dele. Ficava num bairro ultra-chique e a gente chegando de Kombi.
Outra vez, um grupo de colegas decidiu invadir a minha Kombi. Quando eu percebi, já estavam todos dentro dela. Brincavam dizendo que eram do “Movimento dos Sem-Kombi”. Outra coisa interessante é que a maior parte dos ouvintes da rádio acha que essa história de Kombi é brincadeira. Quando estou com ela, tem gente que pergunta: “É verdade mesmo? Posso tirar uma foto?”. Outro dia, fui pegar a balsa para o Guarujá e do meu lado havia um carro importado com um senhor oriental dentro. E ele olhava para mim e olhava para Kombi. Quase chegando ao Guarujá, ele desceu do carro e disse para mim: “Você tem mesmo uma Kombi? Pensei que era brincadeira”. Ele não acreditava que eu tinha uma Kombi, apesar de eu estar com ela. Outra vez, eu estava indo em outra balsa, para Bertioga. Já era noite, quando um senhor humilde com uma bicicletinha subiu nela. De repente ele gritou: “Ô, Heródoto!” E eu respondi: “Oi, senhor! Tudo bem?” Foi aí que eu perguntei:
– “Mas, como o senhor me reconheceu?”. – “Ah! A Kombi”.


Fonte: http://carsale.uol.com.br/hotsite/entrevistas/entrevista5.shtml