quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rei lá, súdito aqui - Bernd Schneider

Texto muito bom retirado do fórum de orkut "F1 - Fórmula 1 Brasil", escrito por um de seus moderadores, o Verde. Ele retrata a história da carreira de um piloto que pouco fez na F1, mas que em outras categorias fez tudo o que muita gente sonha, e faz a gente pensar duas vezes em considerar o automobilismo de ponta somente com a F1 no meio. Vale a pena ler:

Zakspeed de 1988.

Qual é o maior piloto alemão da história do automobilismo? Fácil responder: o heptacampeão de Fórmula 1 Michael Schumacher. Tivemos outros, igualmente importantes que chegaram a passar pela Fórmula 1 (ou pela Grand Prix) e que nunca puderam obter o êxito máximo: Bernd Rosemeyer, Jochen Mass, Wolfgang von Trips. A Alemanha só veio comemorar um título na categoria máxima com Schumacher exatos 44 anos após o surgimento da categoria.

Depois da morte de Von Trips e dos insucessos de Jochen Mass, além de vários outros pilotos menos conhecidos, a Alemanha precisava urgentemente de um piloto com verve de campeão. Como era possível o país da BMW, da Mercedes, da Volkswagen e da Autounion (a atual Audi) não ter um piloto de ponta?

Porém, eles tinham uma Fórmula 3 muito forte. Os anos 80 foram, talvez, a melhor fase da história da F3 alemã, com muitos pilotos consagrados, vários deles na Fórmula 1, e alta competitividade. Nesse período, surgiram talvez os dois melhores pilotos teutônicos da história do automobilismo. Um era, como dito acima, Schumacher. O outro foi Bernd Schneider.

QUEM?!

Porra, você não sabe quem é Bernd Schneider?

Tetracampeão do DTM, campeão do FIA-GT, campeão de Fórmula 3 em seu país, um dos pilotos mais respeitados de todos os tempos em se tratando de carros fechados. Muita gente o conhece e o idolatra pelos seus feitos dirigindo carros de Turismo e de Protótipos. Porém, poucos se lembram de sua passagem pela Fórmula 1 no final dos anos 80. Que foi bem infeliz, diga-se.

Schneider nasceu na estupidamente minúscula cidade de St. Ingbert em Julho de 1964. Os pais eram fanáticos por automobilismo e não sabiam qual nome dar ao recém-nascido. Porém, um dia, a mãe foi visitar uma autobahn que estava sendo reformada na região e acabou passando em frente ao memorial Bernd Rosemeyer. Pronto: ao voltar pra casa, sentenciou ao marido que a criança se chamaria Bernd. Assim.

Em uma família apaixonada por corrida de carro, nada mais natural que Bernd Schneider iniciasse uma vida no esporte ao motor. Porém, ele teria de esperar até os 14 anos para estrear no kart alemão daquela época. O pai, em uma atitude que lembra muito o famigerado "jeitinho brasileiro", modificou sua carteira de identidade e Bernd passou a ter nascido em 1962. E assim ele estreou no campeonato alemão de kart em 1976. De cara, foi o 3º colocado.

Naqueles tempos, a empresa de seu pai não estava em seus melhores dias. Além disso, Schneider teve problemas com seu assessor, que simplesmente o trocou por outro piloto da noite para o dia. Mesmo assim, ele conseguiu se firmar como um dos mais promissores pilotos do kart alemão até o começo dos anos 80. Em 1980, ele obteve o título nacional de kart e o título mundial na categoria Junior. E a boa carreira no kart seguiu assim até 1983, ano no qual ele foi campeão africano (!) de kart.

Em 1984, aos 20 anos, ele estreou nos monopostos, correndo na Fórmula Ford local. E já chegou andando bem: vice-campeão na categoria 1600 logo no seu primeiro ano. Em 1985, também andou na ponta na F-Ford 2000 alemã, assim como na versão européia. Schneider já mostrava ser o piloto alemão mais promissor que havia naquele momento. Em uma época na qual a Alemanha perdia, de uma vez, Stefan Bellof e Manfred Winkelhock, a ascensão de Bernd Schneider era tudo que o país precisava.

Em 1986, o salto para a Fórmula 3 alemã. Logo de cara, um terceiro lugar no campeonato, a apenas um ponto do vice-campeão. O cara nem precisava se acostumar às competições para andar na frente. Ao mesmo tempo, naquele ano, ele fez sua estréia no DTM, mas sem aquele destaque que viria a ter depois. Em 1987, ele continuou na categoria e, com sete vitórias, venceu o campeonato com extrema facilidade.

Na Fórmula 3 alemã daqueles períodos, os três primeiros colocados costumavam receber, como prêmio, um teste na Zakspeed no final de toda temporada. O caso é que Schneider foi tão bem no campeonato que, mesmo antes do seu teste, a equipe simplesmente o contratou para estrear na Fórmula 1 em 1988 como primeiro piloto! Aos 24 anos, Bernd Schneider, sem ter sequer entrado em um Fórmula 3000, seria o piloto mais jovem do grid da categoria máxima em 88.

E SCHNEIDER CORRESPONDEU?

Não.

Em 1988, a maioria das equipes já tinha aceitado que a era turbo estava chegando ao fim, com a imposição de motores aspirados por parte da FISA a partir do ano seguinte. Não compensava investir em uma tecnologia que já tinha data marcada para morrer. Mas a Zakspeed ignorou essa tendência e seguiu com seu motor próprio, um turbo de 4 cilindros muito pesado e não muito eficiente. A equipe, em si, era pequena e pobre, mas limpinha e ajeitada. Schneider teria como companheiro o incansável Piercarlo Ghinzani. Nada indicava que a equipe sairia do final do grid, isso se ela conseguisse se classificar para o grid.

O Zakspeed 881 provou não ser lá grandes coisas nas pistas de baixa e média velocidade, mas o motor turbo o empurrava lá pro meio do grid em pistas mais velozes. Nas três primeiras corridas, Schneider não conseguiu se classificar para o grid. Porém, no México, o alemão não só entrou no grid como obteve um excepcional 15º lugar, à frente de nomes como Gugelmin e Patrese. Infelizmente, o motor não aguentou após 16 voltas. Esse era outro problema do motor Zakspeed: além de funcionar apenas em pistas de alta, a confiabilidade era baixíssima.

Schneider seguiu seu calvário em pistas de baixa e média velocidade, enquanto sua participação era garantida em corridas como as de Paul Ricard, Hockenheim (única corrida na qual ele terminou no ano) e Spa. Em Monza, ele repetiu a excelente 15ª posição no grid, mas o motor o deixou na mão outra vez após 11 voltas. No Japão, ele até conseguiu classificação para o grid, mas um violento acidente no warm-up o deixou sem sensibilidade em um braço e ele teve de abandonar a corrida precocemente. Terminava aí o ano de 1988 para ele, e o saldo havia sido bastante negativo. Mal sabia que esse seria seu melhor ano na Fórmula 1.

Zakspeed em 1989. Mais frustração.

Bernd seguiria na Zakspeed em 1989. A equipe apareceu com uma grande novidade, o projetista Gustav Brunner, tomado da concorrente Rial, o que selou uma guerra entre Erich Zakowski e o mercurial Gunter Schmidt. Os ineficientes motores turbo dariam lugar aos que pareciam ser promissores Yamaha V8. Havia um certo otimismo, mas com 39 inscritos, a Zakspeed seria obrigada a disputar a pré-classificação. Isso significava que dificilmente ela estaria no grid da maioria das corridas da temporada.

Mas o ano foi muito pior do que isso. Schneider largou apenas em duas corridas, Jacarepaguá e Suzuka. No Brasil, uma suada pré-classificação (5º colocado), uma classificação tão suada quanto (25º) e uma corrida que terminou em um acidente com Eddie Cheever. Meses depois, em Suzuka, Schneider voltava a uma corrida de Fórmula 1, mas o carro quebrou logo nas primeiras voltas. A Zakspeed, conhecida pela sua organização, estava mergulhada em um caos financeiro e administrativo. Schneider acusava a Yamaha por fazer um motor muito ruim, o que o deixou em pé de guerra com seu companheiro Aguri Suzuki, financiado pela empresa.

No final de 1989, a Zakspeed perdeu seu patrocínio West e ficou com um carro completamente branco na pré-temporada. Schneider, apesar de cortejado pela Osella, seguiria na equipe, que continuaria tendo motores Yamaha. Mas Erich Zakowski estava cansado de tudo e simplesmente fechou as portas no começo de 1990. Em um momento no qual praticamente todas as vagas já estavam ocupadas, Bernd Schneider não teria uma vaga para toda a temporada de 1990. Mas sua vida na F1 não acabou por aí.

Alex Caffi, faltando poucos dias para a primeira corrida do ano, sofreu um acidente de moto e se acabou todo, tendo de ficar de fora do início da temporada. A Arrows não hesitou e chamou Bernd Schneider pra ser companheiro de Alboreto nas duas primeiras etapas de 1990. O carro não era lá aquelas coisas, mas já era um salto de qualidade com relação à Zakspeed. Schneider estava livre da pré-classificação.

Em Phoenix, logo no primeiro treino, caiu um improvável dilúvio sobre a pista, localizada em pleno deserto do Arizona, e Schneider deu uma rodada malandra em alta velocidade, indo parar no muro com toda força. Porém, ele conseguiu se classificar para o grid. Na corrida, se envolveu no salseiro da largada, teve de ir para os pits, voltou no fim do grid e por lá ficou até chegar ao fim, em 12º. Era a segunda vez em que ele terminava uma corrida de Fórmula 1. Depois, ele ainda foi chamado para correr na Espanha, substituindo Caffi novamente. A única coisa que fez no fim de semana foi atrapalhar Ayrton Senna em uma volta rápida. Não se classificou e voltou para a casa. Fim.

QUE MERDA, HEIN?

Pois é, mas a carreira dele não terminou. Na verdade, foi a partir do seu fracasso na Fórmula 1 que ele voltou para o automobilismo alemão. E lá começou a fazer seu nome.

Já em 1990, Bernd foi campeão do Interseries europeu, um campeonato de protótipos no qual ele dirigiu um Kremer Porsche. Além disso, ele foi campeão do Porsche Cup. Com dois títulos de importância no automobilismo europeu, pra que Fórmula 1?

Pois é, pra quê? Em 1991, ele repetiu o título da Interseries com o mesmo carro e 6 vitórias. Nesse mesmo ano, ele estreou no DTM, o campeonato que faria sua fama, pilotando o Mercedes para sua ex-equipe de Fórmula 1 Zakspeed. No ano seguinte, seu primeiro ano completo na categoria, termina em terceiro, repetindo o resultado em 1993. Nada mal.

Tudo bem, 1994 não foi aquelas coisas e Bernd venceu "apenas" duas corridas utilizando um antigo 190E. Porém, no ano seguinte, Schneider recebeu um novíssimo C-Class e correspondeu vencendo os dois campeonatos que disputou, o DTM e o ITC, com cinco vitórias em cada categoria. Em 1996, com o fim do DTM, o alemão só competiu no ITC e foi vice-campeão com quatro vitórias.

O carro de Schneider em 1995.

O ITC também acabou deixando de existir e Bernd quis voltar aos protótipos em 1997. Assim, ele assinou com a AMG Mercedes para correr no FIA GT. E o que fez? Foi campeão com 6 vitórias correndo ao lado de vários pilotos. No ano seguinte, Schneider manteve-se na equipe mas ganhou um companheiro novo, o então desconhecido e promissor Mark Webber. O ano foi difícil e Schneider e Webber perderam o título para Ricardo Zonta e Klaus Ludwig em uma arrancada sensacional da dupla. Terminaram como vice-campeões, com 5 vitórias.

O carro utilizado na FiaGT.

Em 1999, Schneider passou um ano sabático e tentou correr apenas as 24 Horas de Le Mans em um Mercedes. Porém, a equipe abandonou a corrida após seus três célebres voos durante a edição. Mas sua carreira não acabou por aí: o DTM voltou com força e carrões 4.0 V8 em 2000 e Schneider, em seu CLK-AMG, já chegou vencendo o primeiro título da categoria, com 6 vitórias.

O CLK de 2000 da DTM.

A partir daí, Bernd só se concentrou no DTM. Foi campeão em 2001 (6 vitórias), vice em 2002 (2 vitórias), campeão em 2003 (2 vitórias), 6º em 2004 (1 vitória), 4º em 2005 (1 vitória), campeão em 2006 (2 vitórias) e 6º em 2007 e em 2008 (1 vitória em
cada ano). No 2º semestre do ano passado, aos 44 anos, anunciou sua aposentadoria, algo que teve a mesma comoção que o anúncio da aposentadoria de Ingo Hoffmann aqui no Brasil. Apesar de ainda ser um piloto competitivo, uma nova geração de pilotos estava chegando e era hora de entregar o reinado a pilotos como Timo Scheider e Paul di Resta.

Cinco títulos no DTM, um no ITC, um no FIA-GT, dois no Interseries, um na F3. Este é Bernd Schneider, um bostão, um pilotinho de fim do grid da Fórmula 1, um fracassado que não conseguiu se sobressair na Zakspeed. E talvez um dos maiores pilotos de todos os tempos fora da "categoria máxima do automobilismo".